De Sanctis vê indícios de envio ilegal de dinheiro ao exterior; empreiteira nega acusação
Empresa é alvo da Operação Castelo de Areia; inquéritos apuram supostas fraudes em licitações e pagamento de propina para políticos
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
O juiz federal Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, abriu um segundo processo criminal contra três executivos da construtora Camargo Corrêa, desta vez por supostos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas.
Segundo a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, os diretores Pietro Bianchi, Dárcio Brunato e Fernando Dias Gomes remeteram dólares para diversas contas bancárias no exterior, em especial para a Banca Privada D'Andorra, num paraíso fiscal localizado entre a Espanha e a França. As contas não foram declaradas no Brasil.
Os três diretores são réus em outra ação por supostos crimes financeiros. Com a ajuda do doleiro Kurt Paul Pickel, também réu, eles teriam movimentado US$ 30 milhões por meio de uma operação simulada de importação de software (programas para computadores).
A Camargo Corrêa refuta as acusações atribuídas à empresa ou a seus diretores e pede na Justiça o trancamento dos processos (leia texto ao lado).
Desde março, a empresa é alvo da Operação Castelo de Areia. A investigação inicial por crime financeiro foi desmembrada em dezenas de outros inquéritos que apuram o suposto envolvimento do grupo em licitações dirigidas e no pagamento de propina a políticos.
No exterior
Ao iniciar o processo penal, o juiz De Sanctis entendeu que a procuradora da República Karen Kahn, do Ministério Público Federal, reuniu indícios suficientes contra os diretores por suposto envio ilegal de dinheiro para os Estados Unidos, Andorra, Suíça e Taiwan.
Há documentos de transferência bancária internacional, sempre em nome de empresas fictícias ("offshores"), situação permitida em paraísos fiscais.
De Sanctis, porém, rejeitou o pedido da procuradora para que os diretores e o doleiro respondessem ainda pelos crimes de corrupção e quadrilha.
Com relação ao crime de corrupção, o juiz quer que a investigação seja aprofundada.
"Embora se vislumbre indícios da prática de condutas delituosas, é necessário frisar que, nesse momento, não há como interpretar pela existência de indícios suficientes dos crimes antecedentes contra a administração pública, já que sequer houve investigação em procedimento próprio e minimamente apurada", escreveu De Sanctis na decisão.
A procuradora acusou a Camargo Corrêa de ter pago propina para vencer três licitações: 1) construção de 23 embarcações petrolíferas para a Transpetro (empresa da Petrobras), no Rio de Janeiro; 2) construção de cinco hospitais no Pará e 3) compra de terreno para fazer uma obra em Caieiras (SP).
Como indício, ela reuniu papéis apreendidos com diretores do grupo, que relacionaram o nome de autoridades a obras, pagamentos e transferências de valores para o exterior, com números de contas bancárias.
No que diz respeito ao doleiro, De Sanctis entendeu que Pickel já responde por crimes financeiros no processo anterior. Pela mesma razão, afastou a imputação de crime de quadrilha contra os diretores.
"Não há porque instaurar novo processo para a apuração do mesmo fato, sob o risco de caracterizar-se o bis in idem [duplicidade de acusação]", disse o juiz, que ressaltou que a abertura do processo não é um prejulgamento dos executivos.
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quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
domingo, 11 de outubro de 2009
ENTREVISTA
EIKE BATISTA
O rei do Rio
Trajetória do homem mais rico do Brasil, que agora sonha em controlar a Vale, combina superstição e obstinação em negócios ao redor do mundo

O mineiro Eike Fuhrken Batista, 52, há tempos não se lembra dos seus sonhos. No último que a memória guardou, ele voava. "Sozinho?", pergunta o interlocutor. "Sozinho! O Super-Homem não voa?" Ele não esqueceu os sonhos que o embalavam aos 16 anos. Na escola na Alemanha, onde morava com a família, descobria nos livros a saga de Francisco Pizarro, o espanhol que saqueou o ouro dos incas na América do Sul do século 16.
"Aquilo me fascinava, a história de salas cheias de barras de ouro", conta. "Eu me transferia para o ambiente e parecia que segurava aquele negócio."
Quando uma cartomante carioca sugeriu-lhe no crepúsculo do século 20 que acorresse a Cusco, a capital do Império Inca, Eike (pronuncia-se "Aique") voou até o Peru.
Em obediência às instruções, deitou-se de barriga para cima em um campo de futebol e mirou o céu por cinco minutos.
"Ela disse que iria reordenar o cosmos, a linha da vida seria reajustada." E funcionou?
"Acho que sim, está tudo bem."
Ainda em Cusco, um guia apresentou-o a uma índia bruxa. Ela pediu que Eike comprasse um saquinho de folhas de coca. A feiticeira soprou-as e pontificou sobre o pai do visitante, saúde e outros assuntos. "Foi interessante", recorda Eike, no restaurante chinês Mr. Lam, estabelecimento no Jardim Botânico, zona sul do Rio, que ele fundou e no qual investiu R$ 8 milhões. Abaixo da edificação, mandou cravar uma barra de cobre.
A providência destina-se a espantar más energias, aplicando o feng shui, conhecimento chinês segundo o qual a disposição de objetos influi no cotidiano das pessoas. No seu escritório, em frente à praia do Flamengo, ele se senta voltado para a porta. "Você apara as energias [ruins] de quem vem de fora."
Desses desencontros, não guarda rancor de ninguém, assegura. A astrologia contribui para entendê-lo, ensina Eike, nascido em 3 de novembro: "Escorpião é muito amigo, leal com quem é leal com ele".
"O lado vingativo, típico do escorpião, consegui dominar com a idade. Depois dos 30, quem rege mais você é o signo ascendente." O dele é capricórnio. Porém permaneceram, afirma, dons escorpianos de "tenacidade e perseverança".
Ele lapida a sorte com o número 63, rebento do acaso. Em uma competição de lanchas, buscou o 3 e o 33, já ocupados. Sobrou o 63, com o qual definiria até os centavos nos lances de sua empresa OGX em leilões de blocos para exploração de petróleo. Consagrou-se campeão mundial em categoria da motonáutica. Alcançou no mar a velocidade de 270 km/h.
Nesse ritmo, tornou-se o brasileiro mais rico e o número 61 do planeta, conforme ranking da revista "Forbes" divulgado em março. Seu patrimônio atingia US$ 7,5 bilhões.
É tanto dinheiro que, se ele se sentasse na gangorra diante do capo das comunicações italiano, Silvio Berlusconi, cada um pesando quanto vale, a balança penderia para Eike -o primeiro-ministro e sua família detinham US$ 6,5 bilhões.
Os cifrões de Eike dariam para bancar sozinho o Bolsa Família neste ano. Dos 60 mais abastados que ele, só 11 são mais jovens. Bill Gates, 53, lidera a corrida com US$ 40 bi.
A contabilidade da "Forbes" se fundamentou em empresas de capital aberto. Na Bovespa, Eike controla quatro delas, sob as asas da holding EBX -como todas suas companhias, o nome se encerra com um xis, emblema destinado a augurar a multiplicação de riqueza.
O logotipo é um sol, símbolo inca. A mesma imagem, moldada em ouro, Eike ostentava no pescoço no primeiro dos dois encontros com a Folha, em entrevista de 4 horas e 20 minutos no seu restaurante.
Lá ele contou a história do primeiro milhão de dólares, amealhado com compra e venda de ouro do Pará; do primeiro bilhão, após oito minas de ouro no Brasil e no exterior.
Projetou: com suas ações fortalecidas e somando bens ausentes da Bolsa, a fortuna já ultrapassa os US$ 20 bilhões, rumo a coroá-lo o capitalista mais fornido do mundo -a considerar o valor de anteontem do seu quinhão nas companhias de capital aberto (de 54% a 76% de cada uma), Eike detém o equivalente a US$ 24 bilhões em ações na Bovespa.
Na conversa, ele indagou ao repórter: "O que te surpreendeu nesta entrevista? Você me conhecia lendo coisas. O que não bate ou bate?".
Insistiu: "Deixa eu entrevistar você: o que as pessoas falam de mim por aí? O que eu sou?".
Nos quatro dias seguintes, adquiriu a concessão da Marina da Glória, cartão-postal da cidade; a candidatura do Rio à Olimpíada de 2016 triunfou, após campanha cujo principal patrocinador individual foi Eike, com R$ 23 milhões; e sua companhia mais promissora descobriu indícios de petróleo na bacia de Santos.
Só nessa operação, em sete horas de pregão da Bovespa, o controlador da OGX enriqueceu -em papéis- cerca de US$ 1,5 bilhão, soma superior às vendas da Renner ou da Goodyear no Brasil em 2008.
Eliezer Batista da Silva presidiu a Companhia Vale do Rio Doce no governo Jânio Quadros, de 1961; foi ministro de Minas e Energia em 1962 e 1963, na administração João Goulart; no golpe de 1964, afastaram-no do comando da Vale; retomou a chefia da mineradora a partir de 1979, no mandato do general João Baptista Figueiredo; em 1992, Fernando Collor nomeou-o para a Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Aos 85 anos, permanece um azougue intelectual à altura da legenda de estrategista da logística e do desenvolvimento.
Eliezer foi um pai ausente. Inquirido sobre a asma de Eike, o segundo dos sete filhos que teve com a alemã Jutta, minimiza: "Não era muito forte". "Eu sofria de asma, de cair da cama e não respirar", contradiz Eike, ignorando o relato paterno. Ele se curou da doença graças a quem mais o influenciou, a mãe. Na Europa, Jutta obrigava-o a nadar mesmo em dias gélidos.
"Quando eles eram menores, eu vivia viajando, não tinha quase contato", lamenta Eliezer (a sílaba tônica é a última). Só para o Japão, contabilizou 178 missões pela Vale.
"Eike herdou da mãe toda a disciplina germânica, a persistência", diz Eliezer. "Ela pegava uma criança de três anos, botava para esquiar, jogava colina abaixo. Que mãe brasileira faz uma coisa daquela? Mas se cria gente dura. Modifica o caráter da pessoa." "Minha mulher foi criada na Juventude Nazista", confidencia o viúvo de Jutta, morta em 2000.
No Rio, aonde chegou depois de nascer em Governador Valadares (MG) e morar por pouco tempo em Vitória (ES), Eike estudou em colégio germânico. Na mudança para a Europa aos 12 anos, o alemão predominou como idioma doméstico, inclusive de Eliezer.
Quando os pais retornaram para o Brasil, o graduando de engenharia Eike prosseguiu entre a cidade alemã Aachen e a capital belga, Bruxelas.
Com mesada curta -ele se define como classe média alta na juventude-, oferecia seguros residenciais de porta em porta. Desenvolveu um talento de vendedor, o de ouvir: além de alardear as virtudes dos seus produtos, assentia que senhoras segredassem alegrias e tristezas. Bombou.
Em 1979, de volta ao Brasil, embrenhou-se na Amazônia em compra e venda de ouro. Montou mina no meio da selva. Diz que recebeu um tiro pelas costas dado por um garimpeiro de quem cobrava dívida.
Socorreram-no no hospital, e a herança foi uma cicatriz pequena. Tornou-se executivo e depois controlador da mineradora canadense TVX Gold.
Foram duas décadas no ouro, concentrado no exterior. Eike afirma que, ao sair do Canadá em 2000, seu primeiro US$ 1 bilhão tilintou. Ele se despediu do ouro e redescobriu o Brasil.
Aqui, disseminou-se no mercado um rumor que a Folha ouviu de concorrentes de Eike abrigados no anonimato: na década de 1980 e na expansão do grupo X, o pai o teria favorecido. Antes, com informações sigilosas sobre o mapa mineral. Hoje, como integrante dos conselhos das empresas.
Inexiste comprovação da primeira suspeita. Em relação à influência atual de Eliezer, quanto mais se aproxima do coração do negócio, evidencia-se que Eike dá as cartas.
Executivos revelam que, na origem, Eliezer opôs-se à formação da petrolífera OGX e da recém-lançada OSX, que terá estaleiro em Santa Catarina.
Eike se julga injustiçado: "Esse negócio que falam que meu pai me mostrou o mapa da mina. Que o meu pai é aquela pessoa brilhante, um oráculo do saber, e eu sou... É difícil".
Nada que o impeça de pensar que Eliezer "fez coisas extraordinárias pelo Brasil" e de elegê-lo como ídolo.
O pai, homem de Estado, diz que o filho é vocacionado para a empresa e sempre quis superá-lo. E se sente feliz em saber que Eike conseguiu.
Na privatização da Vale, em 1997, Eike ambicionou um naco. O pai demoveu-o, registra o filho, alegando que pegaria mal por ser parente de quem é.
Agora, o acionista majoritário da mineradora MMX sonha controlar a Vale, a gigante de mais de R$ 200 bilhões.
Um conselheiro de Eike sustenta que o projeto empresarial é deter o timão da Vale. Participação partilhada não faria sentido, pois não promoveria a sinergia com seus negócios de mineração, logística (portos), energia e petróleo.
Medindo as palavras, Eike concede: "Se Steve Jobs falecer, eu vendo as minhas ações da Apple. Há empresas, negócios em que são poucos os criadores da riqueza".
Traduzindo: uma fatia da Vale, mesmo que menos de 10%, só faria sentido se ele pudesse fermentar o bolo inteiro.
Enfim, explicita: "Só interessa se for em posição de poder direcionar a criação de riqueza. Você tem que poder decidir como será tocada a companhia".
Frustrou-se a primeira ofensiva, que a Folha revelou, pela parte do Bradesco. E aumentou o atrito com o presidente da Vale, Roger Agnelli, indicado pelo banco.
Ao evocar sua incursão pelo ouro no Amapá nos anos 1980, Eike disse que o Bradesco financiou parte da operação.
"O curioso é que o banqueiro que ajudou a gente a abrir o capital... adivinha quem era?". Seria, na verdade, executivo: Agnelli. Rindo animadamente, Eike concluiu, em inglês: "Jesus Christ!". Vale e Agnelli não quiseram comentar.
Na EBX, desconfiou-se de que o informante sobre as tratativas com o Bradesco a respeito da Vale tenha sido o banqueiro André Esteves. Eike mostrou ao repórter um torpedo que acabara de receber do dono do BTG Pactual.
O banqueiro escreveu: há "inveja dos outros"; "missões impossíveis são certos companheiros de viagem"; "o convívio com pessoas como você alimentam minha vontade de fazer"; "te admiro muito, cara".
Procurado, Esteves não se pronunciou acerca da mensagem. "Brigar para quê?", pondera Eike. "André é um cara com cabeça diferenciada, fora da curva. Talvez tenha que medir a ambição um pouquinho."
Outra hipótese de ingresso na Vale é assumir a participação de fundos de pensão de estatais. Irritado com demissões na mineradora, o presidente Lula dera sinal verde a Eike para abordar o Bradesco. Foi no governo Lula, notadamente de 2006 a 2008, quando se lançou na Bolsa, que Eike prolificou seus reais.
Em 2006, doou como pessoa física R$ 4,38 milhões para candidatos apoiadores do governo, incluindo R$ 1 milhão para o próprio Lula e a mesma quantia para Roseana Sarney. O PSDB levou R$ 1 milhão.
Eike jura que sufragou Lula em 2002 e 2006. "Votei numa posição de achar que a gente tinha que exorcizar a esquerda. Estava na hora de chamar a esquerda e ver no que dava", conta.
No choque com o governo Evo Morales, que em 2006 barrou a construção de uma siderúrgica na Bolívia, Eike contratou -ele diz- como consultor o ex-ministro José Dirceu. Em Nova York, no mês passado, descobriu nova semelhança com Lula, além do que considera ser uma identidade marcante sua, o nacionalismo: ambos são de escorpião.
Investiu R$ 1 milhão como pessoa física, sem recurso a renúncia fiscal, no filme "Lula, o Filho do Brasil".
Hábil como o pai, que conviveu com governantes diversos, elogia Dilma Rousseff, José Serra e Aécio Neves.
Aplaude a política do Planalto para o pré-sal. Ressalta que quase todos os seus investimentos se restringem ao país -no entanto vendeu a maior parte da mineradora MMX em 2008 para a Anglo American. Marqueteia: "Com a autopista que Fernando Henrique e Lula deixaram para a gente correr, deixa meu Porsche andar. Faremos bonito".
Estacionado na sala de casa, ele tem uma McLaren esportiva, motor Mercedes que acelera a 334 km/h e com a qual passeia à noite. Mora no Jardim Botânico, na mesma rua da ex-mulher, Luma de Oliveira, e dos filhos adolescentes deles, Thor e Olin. Dedica aos dois atenção e carinho intensos.
Conhecido por décadas como "o filho de Eliezer Batista", virou "o marido da Luma" ao casar com a modelo em 91.
Unido na igreja à socialite Patrícia Leal, abandonou-a dias antes da festa de casamento para ficar com Luma, que conhecera havia pouco. O Vaticano anulou o matrimônio.
Na Sapucaí, Luma desfilou de coleira com o nome de Eike. Para evitar que ela voltasse a posar nua, o marido dispôs-se a cobrir o cachê da "Playboy".
Diante da negativa, passou a abastecê-la com chocolates, a fim de engordá-la, diminuir a autoestima e mudar a decisão. Novas fotos só foram feitas após a separação.
Ao se divorciar, em 2004, transformou-se na persona Eike Batista, o magnata. "Isso foi consciente. Percebi que, com os meus filhos, eu tinha que ter uma identidade. Que negócio é esse? O Thor dizer que o pai é o ex-marido da Luma de Oliveira? Aí tocou a vaidade."
Eike se dá bem com a ex e namora a advogada Flávia Sampaio, 23 anos mais jovem. Gostaria de ser pai novamente. Faz tratamento a laser contra manchas no rosto, submeteu-se a plástica para retirar gordura sob os olhos e se prepara para o quarto implante capilar.
Em 2007, Eliezer Batista disse à Folha que a união de seu filho com Luma fora um erro. Em voto de confiança no amor, o pai de Eike voltou a se casar discretamente semanas atrás, em cartório do Rio.
O filho só tomou conhecimento dias depois. Recebeu a novidade com bom humor.
O rei do Rio
Trajetória do homem mais rico do Brasil, que agora sonha em controlar a Vale, combina superstição e obstinação em negócios ao redor do mundo

O mineiro Eike Fuhrken Batista, 52, há tempos não se lembra dos seus sonhos. No último que a memória guardou, ele voava. "Sozinho?", pergunta o interlocutor. "Sozinho! O Super-Homem não voa?" Ele não esqueceu os sonhos que o embalavam aos 16 anos. Na escola na Alemanha, onde morava com a família, descobria nos livros a saga de Francisco Pizarro, o espanhol que saqueou o ouro dos incas na América do Sul do século 16.
"Aquilo me fascinava, a história de salas cheias de barras de ouro", conta. "Eu me transferia para o ambiente e parecia que segurava aquele negócio."
Quando uma cartomante carioca sugeriu-lhe no crepúsculo do século 20 que acorresse a Cusco, a capital do Império Inca, Eike (pronuncia-se "Aique") voou até o Peru.
Em obediência às instruções, deitou-se de barriga para cima em um campo de futebol e mirou o céu por cinco minutos.
"Ela disse que iria reordenar o cosmos, a linha da vida seria reajustada." E funcionou?
"Acho que sim, está tudo bem."
Ainda em Cusco, um guia apresentou-o a uma índia bruxa. Ela pediu que Eike comprasse um saquinho de folhas de coca. A feiticeira soprou-as e pontificou sobre o pai do visitante, saúde e outros assuntos. "Foi interessante", recorda Eike, no restaurante chinês Mr. Lam, estabelecimento no Jardim Botânico, zona sul do Rio, que ele fundou e no qual investiu R$ 8 milhões. Abaixo da edificação, mandou cravar uma barra de cobre.
A providência destina-se a espantar más energias, aplicando o feng shui, conhecimento chinês segundo o qual a disposição de objetos influi no cotidiano das pessoas. No seu escritório, em frente à praia do Flamengo, ele se senta voltado para a porta. "Você apara as energias [ruins] de quem vem de fora."
Desses desencontros, não guarda rancor de ninguém, assegura. A astrologia contribui para entendê-lo, ensina Eike, nascido em 3 de novembro: "Escorpião é muito amigo, leal com quem é leal com ele".
"O lado vingativo, típico do escorpião, consegui dominar com a idade. Depois dos 30, quem rege mais você é o signo ascendente." O dele é capricórnio. Porém permaneceram, afirma, dons escorpianos de "tenacidade e perseverança".
Ele lapida a sorte com o número 63, rebento do acaso. Em uma competição de lanchas, buscou o 3 e o 33, já ocupados. Sobrou o 63, com o qual definiria até os centavos nos lances de sua empresa OGX em leilões de blocos para exploração de petróleo. Consagrou-se campeão mundial em categoria da motonáutica. Alcançou no mar a velocidade de 270 km/h.
Nesse ritmo, tornou-se o brasileiro mais rico e o número 61 do planeta, conforme ranking da revista "Forbes" divulgado em março. Seu patrimônio atingia US$ 7,5 bilhões.
É tanto dinheiro que, se ele se sentasse na gangorra diante do capo das comunicações italiano, Silvio Berlusconi, cada um pesando quanto vale, a balança penderia para Eike -o primeiro-ministro e sua família detinham US$ 6,5 bilhões.
Os cifrões de Eike dariam para bancar sozinho o Bolsa Família neste ano. Dos 60 mais abastados que ele, só 11 são mais jovens. Bill Gates, 53, lidera a corrida com US$ 40 bi.
A contabilidade da "Forbes" se fundamentou em empresas de capital aberto. Na Bovespa, Eike controla quatro delas, sob as asas da holding EBX -como todas suas companhias, o nome se encerra com um xis, emblema destinado a augurar a multiplicação de riqueza.
O logotipo é um sol, símbolo inca. A mesma imagem, moldada em ouro, Eike ostentava no pescoço no primeiro dos dois encontros com a Folha, em entrevista de 4 horas e 20 minutos no seu restaurante.
Lá ele contou a história do primeiro milhão de dólares, amealhado com compra e venda de ouro do Pará; do primeiro bilhão, após oito minas de ouro no Brasil e no exterior.
Projetou: com suas ações fortalecidas e somando bens ausentes da Bolsa, a fortuna já ultrapassa os US$ 20 bilhões, rumo a coroá-lo o capitalista mais fornido do mundo -a considerar o valor de anteontem do seu quinhão nas companhias de capital aberto (de 54% a 76% de cada uma), Eike detém o equivalente a US$ 24 bilhões em ações na Bovespa.
Na conversa, ele indagou ao repórter: "O que te surpreendeu nesta entrevista? Você me conhecia lendo coisas. O que não bate ou bate?".
Insistiu: "Deixa eu entrevistar você: o que as pessoas falam de mim por aí? O que eu sou?".
Nos quatro dias seguintes, adquiriu a concessão da Marina da Glória, cartão-postal da cidade; a candidatura do Rio à Olimpíada de 2016 triunfou, após campanha cujo principal patrocinador individual foi Eike, com R$ 23 milhões; e sua companhia mais promissora descobriu indícios de petróleo na bacia de Santos.
Só nessa operação, em sete horas de pregão da Bovespa, o controlador da OGX enriqueceu -em papéis- cerca de US$ 1,5 bilhão, soma superior às vendas da Renner ou da Goodyear no Brasil em 2008.
Eliezer Batista da Silva presidiu a Companhia Vale do Rio Doce no governo Jânio Quadros, de 1961; foi ministro de Minas e Energia em 1962 e 1963, na administração João Goulart; no golpe de 1964, afastaram-no do comando da Vale; retomou a chefia da mineradora a partir de 1979, no mandato do general João Baptista Figueiredo; em 1992, Fernando Collor nomeou-o para a Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Aos 85 anos, permanece um azougue intelectual à altura da legenda de estrategista da logística e do desenvolvimento.
Eliezer foi um pai ausente. Inquirido sobre a asma de Eike, o segundo dos sete filhos que teve com a alemã Jutta, minimiza: "Não era muito forte". "Eu sofria de asma, de cair da cama e não respirar", contradiz Eike, ignorando o relato paterno. Ele se curou da doença graças a quem mais o influenciou, a mãe. Na Europa, Jutta obrigava-o a nadar mesmo em dias gélidos.
"Quando eles eram menores, eu vivia viajando, não tinha quase contato", lamenta Eliezer (a sílaba tônica é a última). Só para o Japão, contabilizou 178 missões pela Vale.
"Eike herdou da mãe toda a disciplina germânica, a persistência", diz Eliezer. "Ela pegava uma criança de três anos, botava para esquiar, jogava colina abaixo. Que mãe brasileira faz uma coisa daquela? Mas se cria gente dura. Modifica o caráter da pessoa." "Minha mulher foi criada na Juventude Nazista", confidencia o viúvo de Jutta, morta em 2000.
No Rio, aonde chegou depois de nascer em Governador Valadares (MG) e morar por pouco tempo em Vitória (ES), Eike estudou em colégio germânico. Na mudança para a Europa aos 12 anos, o alemão predominou como idioma doméstico, inclusive de Eliezer.
Quando os pais retornaram para o Brasil, o graduando de engenharia Eike prosseguiu entre a cidade alemã Aachen e a capital belga, Bruxelas.
Com mesada curta -ele se define como classe média alta na juventude-, oferecia seguros residenciais de porta em porta. Desenvolveu um talento de vendedor, o de ouvir: além de alardear as virtudes dos seus produtos, assentia que senhoras segredassem alegrias e tristezas. Bombou.
Em 1979, de volta ao Brasil, embrenhou-se na Amazônia em compra e venda de ouro. Montou mina no meio da selva. Diz que recebeu um tiro pelas costas dado por um garimpeiro de quem cobrava dívida.
Socorreram-no no hospital, e a herança foi uma cicatriz pequena. Tornou-se executivo e depois controlador da mineradora canadense TVX Gold.
Foram duas décadas no ouro, concentrado no exterior. Eike afirma que, ao sair do Canadá em 2000, seu primeiro US$ 1 bilhão tilintou. Ele se despediu do ouro e redescobriu o Brasil.
Aqui, disseminou-se no mercado um rumor que a Folha ouviu de concorrentes de Eike abrigados no anonimato: na década de 1980 e na expansão do grupo X, o pai o teria favorecido. Antes, com informações sigilosas sobre o mapa mineral. Hoje, como integrante dos conselhos das empresas.
Inexiste comprovação da primeira suspeita. Em relação à influência atual de Eliezer, quanto mais se aproxima do coração do negócio, evidencia-se que Eike dá as cartas.
Executivos revelam que, na origem, Eliezer opôs-se à formação da petrolífera OGX e da recém-lançada OSX, que terá estaleiro em Santa Catarina.
Eike se julga injustiçado: "Esse negócio que falam que meu pai me mostrou o mapa da mina. Que o meu pai é aquela pessoa brilhante, um oráculo do saber, e eu sou... É difícil".
Nada que o impeça de pensar que Eliezer "fez coisas extraordinárias pelo Brasil" e de elegê-lo como ídolo.
O pai, homem de Estado, diz que o filho é vocacionado para a empresa e sempre quis superá-lo. E se sente feliz em saber que Eike conseguiu.
Na privatização da Vale, em 1997, Eike ambicionou um naco. O pai demoveu-o, registra o filho, alegando que pegaria mal por ser parente de quem é.
Agora, o acionista majoritário da mineradora MMX sonha controlar a Vale, a gigante de mais de R$ 200 bilhões.
Um conselheiro de Eike sustenta que o projeto empresarial é deter o timão da Vale. Participação partilhada não faria sentido, pois não promoveria a sinergia com seus negócios de mineração, logística (portos), energia e petróleo.
Medindo as palavras, Eike concede: "Se Steve Jobs falecer, eu vendo as minhas ações da Apple. Há empresas, negócios em que são poucos os criadores da riqueza".
Traduzindo: uma fatia da Vale, mesmo que menos de 10%, só faria sentido se ele pudesse fermentar o bolo inteiro.
Enfim, explicita: "Só interessa se for em posição de poder direcionar a criação de riqueza. Você tem que poder decidir como será tocada a companhia".
Frustrou-se a primeira ofensiva, que a Folha revelou, pela parte do Bradesco. E aumentou o atrito com o presidente da Vale, Roger Agnelli, indicado pelo banco.
Ao evocar sua incursão pelo ouro no Amapá nos anos 1980, Eike disse que o Bradesco financiou parte da operação.
"O curioso é que o banqueiro que ajudou a gente a abrir o capital... adivinha quem era?". Seria, na verdade, executivo: Agnelli. Rindo animadamente, Eike concluiu, em inglês: "Jesus Christ!". Vale e Agnelli não quiseram comentar.
Na EBX, desconfiou-se de que o informante sobre as tratativas com o Bradesco a respeito da Vale tenha sido o banqueiro André Esteves. Eike mostrou ao repórter um torpedo que acabara de receber do dono do BTG Pactual.
O banqueiro escreveu: há "inveja dos outros"; "missões impossíveis são certos companheiros de viagem"; "o convívio com pessoas como você alimentam minha vontade de fazer"; "te admiro muito, cara".
Procurado, Esteves não se pronunciou acerca da mensagem. "Brigar para quê?", pondera Eike. "André é um cara com cabeça diferenciada, fora da curva. Talvez tenha que medir a ambição um pouquinho."
Outra hipótese de ingresso na Vale é assumir a participação de fundos de pensão de estatais. Irritado com demissões na mineradora, o presidente Lula dera sinal verde a Eike para abordar o Bradesco. Foi no governo Lula, notadamente de 2006 a 2008, quando se lançou na Bolsa, que Eike prolificou seus reais.
Em 2006, doou como pessoa física R$ 4,38 milhões para candidatos apoiadores do governo, incluindo R$ 1 milhão para o próprio Lula e a mesma quantia para Roseana Sarney. O PSDB levou R$ 1 milhão.
Eike jura que sufragou Lula em 2002 e 2006. "Votei numa posição de achar que a gente tinha que exorcizar a esquerda. Estava na hora de chamar a esquerda e ver no que dava", conta.
No choque com o governo Evo Morales, que em 2006 barrou a construção de uma siderúrgica na Bolívia, Eike contratou -ele diz- como consultor o ex-ministro José Dirceu. Em Nova York, no mês passado, descobriu nova semelhança com Lula, além do que considera ser uma identidade marcante sua, o nacionalismo: ambos são de escorpião.
Investiu R$ 1 milhão como pessoa física, sem recurso a renúncia fiscal, no filme "Lula, o Filho do Brasil".
Hábil como o pai, que conviveu com governantes diversos, elogia Dilma Rousseff, José Serra e Aécio Neves.
Aplaude a política do Planalto para o pré-sal. Ressalta que quase todos os seus investimentos se restringem ao país -no entanto vendeu a maior parte da mineradora MMX em 2008 para a Anglo American. Marqueteia: "Com a autopista que Fernando Henrique e Lula deixaram para a gente correr, deixa meu Porsche andar. Faremos bonito".
Estacionado na sala de casa, ele tem uma McLaren esportiva, motor Mercedes que acelera a 334 km/h e com a qual passeia à noite. Mora no Jardim Botânico, na mesma rua da ex-mulher, Luma de Oliveira, e dos filhos adolescentes deles, Thor e Olin. Dedica aos dois atenção e carinho intensos.
Conhecido por décadas como "o filho de Eliezer Batista", virou "o marido da Luma" ao casar com a modelo em 91.
Unido na igreja à socialite Patrícia Leal, abandonou-a dias antes da festa de casamento para ficar com Luma, que conhecera havia pouco. O Vaticano anulou o matrimônio.
Na Sapucaí, Luma desfilou de coleira com o nome de Eike. Para evitar que ela voltasse a posar nua, o marido dispôs-se a cobrir o cachê da "Playboy".
Diante da negativa, passou a abastecê-la com chocolates, a fim de engordá-la, diminuir a autoestima e mudar a decisão. Novas fotos só foram feitas após a separação.
Ao se divorciar, em 2004, transformou-se na persona Eike Batista, o magnata. "Isso foi consciente. Percebi que, com os meus filhos, eu tinha que ter uma identidade. Que negócio é esse? O Thor dizer que o pai é o ex-marido da Luma de Oliveira? Aí tocou a vaidade."
Eike se dá bem com a ex e namora a advogada Flávia Sampaio, 23 anos mais jovem. Gostaria de ser pai novamente. Faz tratamento a laser contra manchas no rosto, submeteu-se a plástica para retirar gordura sob os olhos e se prepara para o quarto implante capilar.
Em 2007, Eliezer Batista disse à Folha que a união de seu filho com Luma fora um erro. Em voto de confiança no amor, o pai de Eike voltou a se casar discretamente semanas atrás, em cartório do Rio.
O filho só tomou conhecimento dias depois. Recebeu a novidade com bom humor.
sábado, 3 de outubro de 2009
Ahmadinejad é judeu e teve sobrenome alterado, diz jornal

O líder iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, que pediu para Israel "ser varrido da face da Terra", pode ser judeu, segundo a versão online do diário britânico Mirror. Até ser alterado, o sobrenome no documento de identidade de Ahmadinejad era Sabourjian, nome de origem judaica.
Uma foto em que o líder iraniano segura o documento deu origem à especulação. Uma nota no cartão sugere que a família do presidente alterou o sobrenome após a conversão ao Islã.
O Mirror publica que o porta-voz da embaixada iraniana em Londres, Ron Gidor, não quis comentar a informação. "Não é uma coisa sobre a qual nós iremos falar", disse.
O Irã tem a maior população de judeus fora de Israel, especialmente entre os persas. Ainda assim, Ahmadinejad já disse publicamente negar o Holocausto.
Rio-2016

O lenço levado ao rosto diversas vezes durante a entrevista coletiva como cidade vitoriosa, o rosto inchado e os olhos muitos vermelhos delataram o que seria colocado em palavras minutos depois. A escolha do Rio para sediar a Olimpíada de 2016 foi, "talvez", o dia mais emocionante da vida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"E eu, que achava que não tinha mais motivo para emoção, porque já fiz tanta coisa na minha vida, conheci tanta gente, pensei que não ia mais me emocionar", disse Lula. "Mas [ao ouvir o anúncio] eu era o mais emocionado e o mais chorão."
O presidente disse que não aguentava olhar para o lado e ver Bárbara Leôncio, 17, campeã mundial juvenil de atletismo, em prantos toda hora. E que chorou na coletiva porque não teve "coragem de chorar durante a apresentação".
Logo Lula começaria a desfilar agradecimentos. Primeiro, pelo "carinho do Jacques Rogge", o presidente do COI. Depois, elogiaria as apresentações do governador Sérgio Cabral e do prefeito Eduardo Paes.
Na ponta da bancada, Paes não se continha. Antes de assinar o contrato do Rio como sede, erguia a caneta como um troféu ou uma tocha olímpica.
No fim da entrevista, abordado no palco pela reportagem mais uma vez, o presidente respondeu com um tapinha na cabeça. "Vamos dar um tempo para a emoção hoje", afirmou, agarrado à bandeira brasileira, abraçado aos demais membros da delegação brasileira, os olhos mais uma vez marejados.
As lágrimas eram a catarse de três anos de campanha concentrados em dois dias de intensa tensão. Lula passou a véspera e o dia do anúncio da sede ansioso entre reuniões, recepções e apresentações por votos.
Antes falando pouco e evitando entrevistas, ontem não se conteve ao chegar da apresentação no Bella Center, o pavilhão onde o Comitê Olímpico Internacional promoveu os eventos de escolha da sede.
Animado e visivelmente tenso --na entrevista coletiva, ele diria que estava "quase chorando de nervoso"-- disse, primeiro, que esperaria o resultado.
Em seguida, já com a fala acelerada, animou-se com a ideia de assistir ao anúncio com os jornalistas, em vez de ficar no hotel, como planejara.
Empolgado, chegou a abraçar a repórter da *Folha de S.Paulo". Elogiou o filme da apresentação. Segundos depois, seria a vez do repórter do "Globo". Tudo em um intervalo de minutos.
Mas o presidente assistiria ao anúncio no auditório do Bella Center, e a mídia teria de se contentar em vê-lo pelo telão.
Quando o envelope aberto por Rogge mostrou o nome do Rio de Janeiro, foi uma explosão do lado brasileiro da plateia. Do lado de fora do auditório, a gritaria foi semelhante.
As mulheres dos membros da delegação subiam em cadeiras. Jornalistas invadiam a área interditada. Relatando à reportagem o que acontecia no auditório, um dos presentes disse à reportagem que a situação era "indescritível"e de "muita, muita emoção" entre os ministros, políticos, diplomatas, assessores. "É só choro."
Ao fundo, um grito vindo de uma voz grave e embargada tomou o ambiente. "Nós ganhamos, porra!"
domingo, 13 de setembro de 2009
Corrupção e governabilidade
Por Jotavê
Ricúpero, novamente, acertou em cheio. Há algumas semanas, fez uma excelente análise do panorama político da América Latina no Caderno Mais, do Estadão. Hoje, publica na Folha uma análise (a meu ver, perfeita) das relações entre corrupção e governabilidade:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1309200902.htm
O segredo é simples. Ele analisa, ao invés de ficar organizando torcidas. É o exato oposto da revista Veja, ou da Hora do Povo. Não se contenta com a mera articulação de ideologias. Não instrumentaliza a análise. É perspicaz e bem informado. O resultado só pode ser bom.
Da Folha
RUBENS RICUPERO
Corrupção e governabilidade
No país, substituíram-se a violência e a tortura como suposta condição para ter segurança e governar
A CORRUPÇÃO passou a ser condição da governabilidade. É essa a justificativa de dirigentes de partidos do governo para sua cumplicidade no enterro dos escândalos parlamentares. A diferença com o regime militar é uma só: substituíram-se a violência e a tortura pela corrupção como suposta condição para ter segurança e governar.
Corrupção e violência, ensinava o filósofo Norberto Bobbio, são os dois tipos de câncer que destroem a democracia. No regime militar sacrificou-se a democracia em nome da segurança, elemento da governabilidade. Hoje a situação mudou e se usa o mesmo pretexto para fazer engolir o conluio ou a indulgência com a corrupção. Não sendo apanágio apenas de um governo, o vício se agrava ano a ano.
Nem a seriedade dos últimos escândalos, que comprometem instituições inteiras, conseguiu alterar a complacência dos governos, que pode não ser eterna, mas tem se revelado infinita enquanto dura.
Outro escândalo, agora de caráter intelectual, é que os politicólogos julgam o sistema de “presidencialismo de coalizão” como perfeitamente funcional, pois produziria governabilidade. Aparentam-se os nossos sábios aos fundamentalistas do mercado, que também acreditavam na neutralidade moral do mercado, que seria autorregulável, capaz de se corrigir automaticamente.
Em ambos os casos, os resultados justificariam os meios. Contudo, o derretimento do mercado financeiro mostrou que as torpezas e as falcatruas dos operadores acabam por provocar degeneração funcional, destruindo a própria instituição. A moral e a ética não são adornos para espíritos delicados, mas componentes indispensáveis ao bom funcionamento de qualquer sistema.
Isso não vale apenas para os mercados. A Primeira República italiana, que resistira ao desafio de governabilidade devido à presença do maior Partido Comunista do ocidente, se desmoronou à luz da corrupção desvendada pela Operação Mãos Limpas. A República Velha brasileira afundou no pântano da corrupção eleitoral e foram os escândalos que puseram fim à carreira e à vida de Getulio Vargas.
Não passa de autoilusão a ideia de que a economia cresce e o país se desenvolve apesar da corrupção e dos escândalos. Também na Itália, o “milagre econômico”, o dinamismo, a inovação pareciam legitimar um sistema decadente. Com o tempo, a corrupção e o fracasso na reforma das instituições produziram o inevitável: a estagnação e o desaparecimento do dinamismo. Seria diferente aqui onde os mesmos vícios tendem a produzir idênticos efeitos?
Quando foi assassinado o juiz Giovanni Falcone, Bobbio chocou a opinião pública ao declarar que sentia vergonha de ser italiano e deixaria o país se fosse mais jovem. Recompôs-se depois desse momento de abatimento moral. Neste centenário do seu nascimento, a capacidade de se indignar do velho filósofo tem sido evocada ao lado da lição do grande poeta Giacomo Leopardi.
Numa das incontáveis horas amargas da Itália, dizia o poeta: “Se queremos um dia despertar e retomar o espírito de nação, nossa primeira atitude deve ser não a soberba nem a estima das coisas presentes, mas a vergonha”.
No panorama de miséria moral de nossas instituições, deve-se escolher entre a atitude de soberba e estima das coisas presentes da propaganda complacente e a vergonha regeneradora do país futuro.
Ricúpero, novamente, acertou em cheio. Há algumas semanas, fez uma excelente análise do panorama político da América Latina no Caderno Mais, do Estadão. Hoje, publica na Folha uma análise (a meu ver, perfeita) das relações entre corrupção e governabilidade:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1309200902.htm
O segredo é simples. Ele analisa, ao invés de ficar organizando torcidas. É o exato oposto da revista Veja, ou da Hora do Povo. Não se contenta com a mera articulação de ideologias. Não instrumentaliza a análise. É perspicaz e bem informado. O resultado só pode ser bom.
Da Folha
RUBENS RICUPERO
Corrupção e governabilidade
No país, substituíram-se a violência e a tortura como suposta condição para ter segurança e governar
A CORRUPÇÃO passou a ser condição da governabilidade. É essa a justificativa de dirigentes de partidos do governo para sua cumplicidade no enterro dos escândalos parlamentares. A diferença com o regime militar é uma só: substituíram-se a violência e a tortura pela corrupção como suposta condição para ter segurança e governar.
Corrupção e violência, ensinava o filósofo Norberto Bobbio, são os dois tipos de câncer que destroem a democracia. No regime militar sacrificou-se a democracia em nome da segurança, elemento da governabilidade. Hoje a situação mudou e se usa o mesmo pretexto para fazer engolir o conluio ou a indulgência com a corrupção. Não sendo apanágio apenas de um governo, o vício se agrava ano a ano.
Nem a seriedade dos últimos escândalos, que comprometem instituições inteiras, conseguiu alterar a complacência dos governos, que pode não ser eterna, mas tem se revelado infinita enquanto dura.
Outro escândalo, agora de caráter intelectual, é que os politicólogos julgam o sistema de “presidencialismo de coalizão” como perfeitamente funcional, pois produziria governabilidade. Aparentam-se os nossos sábios aos fundamentalistas do mercado, que também acreditavam na neutralidade moral do mercado, que seria autorregulável, capaz de se corrigir automaticamente.
Em ambos os casos, os resultados justificariam os meios. Contudo, o derretimento do mercado financeiro mostrou que as torpezas e as falcatruas dos operadores acabam por provocar degeneração funcional, destruindo a própria instituição. A moral e a ética não são adornos para espíritos delicados, mas componentes indispensáveis ao bom funcionamento de qualquer sistema.
Isso não vale apenas para os mercados. A Primeira República italiana, que resistira ao desafio de governabilidade devido à presença do maior Partido Comunista do ocidente, se desmoronou à luz da corrupção desvendada pela Operação Mãos Limpas. A República Velha brasileira afundou no pântano da corrupção eleitoral e foram os escândalos que puseram fim à carreira e à vida de Getulio Vargas.
Não passa de autoilusão a ideia de que a economia cresce e o país se desenvolve apesar da corrupção e dos escândalos. Também na Itália, o “milagre econômico”, o dinamismo, a inovação pareciam legitimar um sistema decadente. Com o tempo, a corrupção e o fracasso na reforma das instituições produziram o inevitável: a estagnação e o desaparecimento do dinamismo. Seria diferente aqui onde os mesmos vícios tendem a produzir idênticos efeitos?
Quando foi assassinado o juiz Giovanni Falcone, Bobbio chocou a opinião pública ao declarar que sentia vergonha de ser italiano e deixaria o país se fosse mais jovem. Recompôs-se depois desse momento de abatimento moral. Neste centenário do seu nascimento, a capacidade de se indignar do velho filósofo tem sido evocada ao lado da lição do grande poeta Giacomo Leopardi.
Numa das incontáveis horas amargas da Itália, dizia o poeta: “Se queremos um dia despertar e retomar o espírito de nação, nossa primeira atitude deve ser não a soberba nem a estima das coisas presentes, mas a vergonha”.
No panorama de miséria moral de nossas instituições, deve-se escolher entre a atitude de soberba e estima das coisas presentes da propaganda complacente e a vergonha regeneradora do país futuro.
domingo, 12 de julho de 2009
Processo investiga corrupção do DEM no Senado
A revista IstoÉ desta semana traz matéria revelando que tramita na 12ª Vara Federal de Brasília, em segredo de Justiça, um processo que revela um personagem chave que começa a jogar luz sobre a caixa-preta em que se transformou a primeira-secretaria do Senado, controlada há 12 anos com mão de ferro pelo antigo PFL, hoje DEM. Trata-se de Aloysio de Brito Vieira, conhecido como Matraca, ex-presidente da Comissão de Licitação da Casa, que se tornou o operador de um esquema de desvio de dinheiro público e pagamento de propinas que funciona com a conivência ou participação de alguns senadores do DEM, de acordo com a revista.
Ainda segundo IstoÉ, o 1º secretário Efraim Morais (PB) recebeu R$ 300 mil/mês do esquema. Quem pagava era a empresa Ipanema, que manteve contrato no valor de R$ 30 milhões até março passado, para fornecer mão-de-obra à agência, TV e rádio Senado. Vamos aguardar o fim do processo e ver o destaque que será dado na mídia.
Ainda segundo IstoÉ, o 1º secretário Efraim Morais (PB) recebeu R$ 300 mil/mês do esquema. Quem pagava era a empresa Ipanema, que manteve contrato no valor de R$ 30 milhões até março passado, para fornecer mão-de-obra à agência, TV e rádio Senado. Vamos aguardar o fim do processo e ver o destaque que será dado na mídia.
segunda-feira, 18 de maio de 2009
Acordo aproxima Serra e Aécio para 2010
Coordenado pelo ex-presidente FHC, acerto de bastidores indica possibilidade de chapa única para a sucessão de Lula
Mineiro toparia ser vice em uma chapa só de tucanos; presidente do PSDB diz que acordo é possível, mas não vê disposição disso agora
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os dois potenciais candidatos do PSDB à Presidência fecharam um acordo informal em que o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, aceitaria ser vice do colega paulista José Serra na eleição de 2010.
Por ora, haverá negativas ao acerto, feito nos bastidores. A intenção é anunciá-lo em agosto ou setembro deste ano, eliminando as prévias.
Na última semana, Aécio manteve sua postulação pública à candidatura. Serra sempre diz que está preocupado em governar São Paulo e não em antecipar o debate eleitoral.
Segundo a Folha apurou, o principal articulador do entendimento foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que almoçou com Aécio em 13 de março, em São Paulo. O ex-presidente disse que uma divisão entre Serra e Aécio poderia levar o PSDB a ser derrotado pela provável candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).
FHC argumentou que Serra não desistiria, que tinha mais cacife nas pesquisas e que dificilmente isso mudaria até o início do ano que vem, quando a chapa tem de ser formalizada.
Ponderou que Serra precisa de Minas (segundo maior colégio eleitoral do país) para vencer. Também disse que, se Aécio fosse candidato sem entusiasmo de Serra, seria difícil derrotar o PT. Foi direto: a conta pela derrota seria debitada do mineiro.
O ex-presidente disse que Serra era sincero ao propor que, se vencesse, tentaria aprovar uma emenda constitucional no Congresso para enterrar a reeleição e reinstituir o mandato presidencial de cinco anos. Mais: daria a Aécio poder de fato num eventual governo.
Aécio duvidou, mas houve uma outra conversa importante. Serra foi a Belo Horizonte em 27 de abril, dois dias após o anúncio de que Dilma sofre de câncer linfático, para reforçar a proposta feita por FHC e acertar um ritual para tirar gás das prévias, proposta defendida pelo mineiro.
Serra disse a Aécio que uma chapa com os dois seria muito competitiva. Afirmou que o DEM apoiaria e que seria possível tentar fechar uma aliança com o PMDB nos três Estados da região Sul. Isso, na visão de Serra, equilibraria a vantagem petista no Nordeste e poderia decidir a sucessão presidencial a favor da oposição.
O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), confirmou que a sigla topa apoiar a chapa "puro sangue". Naturalmente, disse preferir ver um democrata como vice, mas não se opõe a outro acerto. "A aliança com os democratas ajuda muito na capilaridade de votos pelo país."
O tratamento de saúde de Dilma, que extraiu um linfoma e faz quimioterapia preventiva, aumentou a incerteza política e criou ambiente para o PSDB tentar seduzir o PMDB, partido que tem hoje seis ministérios no governo Lula.
Aécio queria ser candidato ao Palácio do Planalto com respaldo informal de Lula. Mas o presidente deixou claro que o projeto Dilma era para valer.
Em outubro de 2010, Serra terá 68 anos -a idade é vista como uma barreira a tentativas futuras de chegar ao Planalto.
O governador paulista pretende oferecer gestos para dar a Aécio uma saída honrosa da pré-candidatura. O mineiro terá holofotes para pregar sua receita para o Brasil.
O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), confirma que um acordo é possível, e diz que o cenário atual é o de ter os dois nomes sendo expostos como presidenciáveis pelo Brasil. "O Aécio não teria disposição de abrir mão da vaga neste momento.
Mas acho que, pelo fim do segundo semestre, tem chances de isso acontecer, esse seria o cenário ideal, que os dois se entendessem", disse.
A opinião é a mesma do deputado federal Arnaldo Madeira (PSDB-SP). "Esse assunto vai ficar mais para frente. Neste momento eu não vi e não acredito [no acordo], mas tem muita gente trabalhando para o entendimento", disse.
Um dos principais interlocutores de Aécio, Rodrigo de Castro (MG), deputado federal e secretário-geral do PSDB, diz que o acordo neste momento "não tem o menor cabimento".
"O afã dele [Aécio] é de correr o Brasil todo", afirma ele.
Mineiro toparia ser vice em uma chapa só de tucanos; presidente do PSDB diz que acordo é possível, mas não vê disposição disso agora
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os dois potenciais candidatos do PSDB à Presidência fecharam um acordo informal em que o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, aceitaria ser vice do colega paulista José Serra na eleição de 2010.
Por ora, haverá negativas ao acerto, feito nos bastidores. A intenção é anunciá-lo em agosto ou setembro deste ano, eliminando as prévias.
Na última semana, Aécio manteve sua postulação pública à candidatura. Serra sempre diz que está preocupado em governar São Paulo e não em antecipar o debate eleitoral.
Segundo a Folha apurou, o principal articulador do entendimento foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que almoçou com Aécio em 13 de março, em São Paulo. O ex-presidente disse que uma divisão entre Serra e Aécio poderia levar o PSDB a ser derrotado pela provável candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil).
FHC argumentou que Serra não desistiria, que tinha mais cacife nas pesquisas e que dificilmente isso mudaria até o início do ano que vem, quando a chapa tem de ser formalizada.
Ponderou que Serra precisa de Minas (segundo maior colégio eleitoral do país) para vencer. Também disse que, se Aécio fosse candidato sem entusiasmo de Serra, seria difícil derrotar o PT. Foi direto: a conta pela derrota seria debitada do mineiro.
O ex-presidente disse que Serra era sincero ao propor que, se vencesse, tentaria aprovar uma emenda constitucional no Congresso para enterrar a reeleição e reinstituir o mandato presidencial de cinco anos. Mais: daria a Aécio poder de fato num eventual governo.
Aécio duvidou, mas houve uma outra conversa importante. Serra foi a Belo Horizonte em 27 de abril, dois dias após o anúncio de que Dilma sofre de câncer linfático, para reforçar a proposta feita por FHC e acertar um ritual para tirar gás das prévias, proposta defendida pelo mineiro.
Serra disse a Aécio que uma chapa com os dois seria muito competitiva. Afirmou que o DEM apoiaria e que seria possível tentar fechar uma aliança com o PMDB nos três Estados da região Sul. Isso, na visão de Serra, equilibraria a vantagem petista no Nordeste e poderia decidir a sucessão presidencial a favor da oposição.
O presidente do DEM, Rodrigo Maia (RJ), confirmou que a sigla topa apoiar a chapa "puro sangue". Naturalmente, disse preferir ver um democrata como vice, mas não se opõe a outro acerto. "A aliança com os democratas ajuda muito na capilaridade de votos pelo país."
O tratamento de saúde de Dilma, que extraiu um linfoma e faz quimioterapia preventiva, aumentou a incerteza política e criou ambiente para o PSDB tentar seduzir o PMDB, partido que tem hoje seis ministérios no governo Lula.
Aécio queria ser candidato ao Palácio do Planalto com respaldo informal de Lula. Mas o presidente deixou claro que o projeto Dilma era para valer.
Em outubro de 2010, Serra terá 68 anos -a idade é vista como uma barreira a tentativas futuras de chegar ao Planalto.
O governador paulista pretende oferecer gestos para dar a Aécio uma saída honrosa da pré-candidatura. O mineiro terá holofotes para pregar sua receita para o Brasil.
O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), confirma que um acordo é possível, e diz que o cenário atual é o de ter os dois nomes sendo expostos como presidenciáveis pelo Brasil. "O Aécio não teria disposição de abrir mão da vaga neste momento.
Mas acho que, pelo fim do segundo semestre, tem chances de isso acontecer, esse seria o cenário ideal, que os dois se entendessem", disse.
A opinião é a mesma do deputado federal Arnaldo Madeira (PSDB-SP). "Esse assunto vai ficar mais para frente. Neste momento eu não vi e não acredito [no acordo], mas tem muita gente trabalhando para o entendimento", disse.
Um dos principais interlocutores de Aécio, Rodrigo de Castro (MG), deputado federal e secretário-geral do PSDB, diz que o acordo neste momento "não tem o menor cabimento".
"O afã dele [Aécio] é de correr o Brasil todo", afirma ele.
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