Por Professor
Prezado Nassif, caros comentaristas:
A súmula 14 é infeliz e inoportuna. Junto com a de n. 11 pode ser considerada parte da reforma Dantas do Processo Penal brasileiro, tudo obra do STF.
Existe aí uma miopia tremenda e um lamentável confusão.
Vou por partes.
A questão do acesso de advogado ao teor do inquérito é debatida há tempos. O art. 20 do CPP (1941) previa a possibilidade de decretação de sigilo pela autoridade policial. O advento da Constituição de 1988 provocou a interpretação de que não mais seria possível inquérito sigiloso, pois tal medida só caberia nos casos de Defesa do Estado (sítio). O estatuto da OAB, de 1994, previu expressamente o acesso do advogado aos inquéritos - entre outras amplíssimas e discutíveis previsões - e o dispositivo foi reputado constitucional pelo STF.
Ocorre que a lei do crime organizado (1995), a lei de interceptação telefônica (1996) e a lei de lavagem de dinheiro (1998) previram diligências investigatórias preliminares que dependem necessariamente de sigilo para a execução. Como fazer infiltração de agente, escutas ambientais, monitoramento de contas bancárias, ações controladas etc, com possibilidade de amplo acesso aos advogados? O sigilo é um requisito essencial para a eficácia dessas medidas investigatórias contra grupos criminosos organizados.
Não existe aí nenhum problema de violação do direito de defesa do cidadão. Justamente porque o inquérito não é um processo. O delegado não tem o poder de constranger o patrimônio ou a liberdade do investigado, mas apenas de recolher provas. O investigado não exerce poderes processuais no inquérito, e a autoridade não tem que realizar as provas que ele indicar. Para tanto, o direito ao silêncio e a presunção de inocência são garantias suficientes.
Quem impõe constrições ao cidadão é o juiz - e aí sim teremos processo, com ampla intervenção de advogados, garantia de acesso aos autos do processo e confrontação de todas as provas previamente recolhidas pela polícia durante o inquérito.
Mas infelizmente o STF falou - e sumulou - sem levar em conta tais nuances. REssalvou apenas as “diligências em curso” - o que é o óbvio mais que óbvio a ser ressalvado. Se uma interceptação está em curso não precisa ser revelada, mas o resultado de outra já concluída sim… mesmo que sejam conexas e digam respeito a uma única investigação… O resultado é patético. Os delegados terão que ficar mantendo expedientes paralelos de diligências sigilosas fora dos autos do inquérito formal, e ainda poderão ser acusados de violar as “prerrogativas” do réu. E agora os advogados ganharam um elevador direto para o STF - a REclamação pelo descumprimento da Súmula 14 - sem escala nas cortes inferiores.
Não é dífícil imaginar situações como a do vazamento do inquérito sigiloso contra Dantas & cia, que originou o primeiro HC preventivo. Haverá a precipitaçao de medidas tendentes a devassar os inquéritos em curso contra criminosos de colarinho branco - medidas legais ou ilegais, como se sabe bem - e a prematura judicialização dos debates acerca da “justa causa” da investigação, com a preparação antecipada de estratégias defensivas e de ocultação de valores e provas.
O tal Estado de Direito do STF está tornando o Brasil um país cada vez mais arredio às medidas sensatas de combate ao crime organizado, além de desmoralizar o instituto da súmula vinculante, confirmando os vaticínios pessimistas daqueles que não apoiavam essa nova atribuição do STF.
Lamentavelmente.
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